Exma. Sra. Directora do Museu da Água
Dra. Mariana Castro Henriques
CC. Ministério da Cultura, Património Cultural, IP, Comissão Nacional da UNESCO e Agência LUSA
À luz da resposta que V. Exa. teve a amabilidade de nos enviar no dia 10 de Setembro, que muito agradecemos, gostaríamos de sublinhar alguns pontos e reafirmar as nossas preocupações.
Aplaudimos a lista exaustiva de critérios que vão desde a acessibilidade à satisfação do público e retorno, passando pelo envolvimento digital, os quais terão levado a uma avaliação periódica da mais-valia, ou da falta dela, resultante da exploração de espaços que são obras-primas da arquitectura, para espectáculos regulares, mais ou menos imersivos.
Tudo critérios que, supomos, serem universais e não específicos do Reservatório da Mãe de Água. Não haverá, com toda a certeza, nenhuma direcção museológica que não queira ver o espaço que dirige a “desafiar as convenções mais tradicionais” e a ser alvo de visitas.
Contudo outros critérios deveriam, neste caso e em nossa opinião, ter sido sopesados antes da concessão do Monumento à empresa OCUBO nos moldes e programação em que o monumento, ou melhor, a Immersivus Gallery Lisboa, se tem apresentado ao visitante.
Por exemplo:
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O critério da adequação da oferta ao espaço monumental e histórico onde se insere, tratando-se de uma exploração continuada, desde 2019.
O carácter excepcional do reservatório da Mãe-de-Água, reconhecido no próprio site do museu, dificilmente se vislumbra no contexto da sua actual exploração.
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O critério da adequação de materiais, estruturas de suporte e equipamentos utilizados: parece-nos estranho que notórias estruturas de equipamentos, que lesam e invalidam em permanência a plena leitura e fruição do interior do Reservatório, e o exterior, possam, alguma vez, ser defendidas, mesmo que o espectáculo que sustentam pudesse valorizar o espaço.
Numa inversão de critérios, o monumento apresenta-se como um palco de eventos, equipado em permanência e expectante da próxima sessão.
A janela a sul tapada, a parede interior do tanque com estruturas apostas, por ex., ou, no exterior, a relva sintética, os holofotes azuis/roxos, plantas de plástico e a instalação de tendas cinzentas, ou coberturas de madeira/contraplacado.
Refira-se que as tendas não são só uma presença “algo intrusiva no espaço”, são o inquestionável abarracamento de um parterre único em Lisboa com uma extraordinária colecção de Cycas sp., estando uma delas entalada entre duas dessas tendas. A relva está também em péssimo estado, o que é um sinal de alerta.
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O critério, ainda, da eficácia da comunicação museológica: afigura-se-nos difícil ver como é que o público fruirá de um espaço, verdadeiro templo da água, quando o mesmo se transformou numa evidente sala de projecção de espectáculos de luz e som, certamente imersivos, e com temas como Dalí, Klimt, o misterioso Egipto. No mistério permanecerão as intenções dos notáveis arquitectos desta obra-prima: contemplação, perspectivas, pureza de linhas, sobriedade, silêncio. Na sua materialidade e compreensão históricas.
Não precisaremos de lembrar que não se constrói uma programação sobre o prejuízo do próprio monumento. E o número de visitantes não é garantia de uma boa exploração do espaço.
Assim, lançamos novo apelo a V. Exa. para que se ponha um termo, ou se reconvertam os moldes de exploração actual deste espaço, recolocando o monumento como o real acontecimento.
Estamos certos que será da preocupação dessa Direcção, e de todos nós, a procura de soluções que, mesmo através de parcerias, possam emprestar uma “nova dinâmica” ao reservatório da Mãe-de-Água e a sua integração na extraordinária Real Obra das Águas Livres.
Por fim, estranhamos o facto da Direcção do Museu nada dizer sobre a candidatura desse património à categoria de Património Mundial UNESCO, um objectivo para o qual contamos que a Direcção empregue o mesmo ou maior empenho e entusiasmo com que defende o espectáculo imersivo explorado nesta obra única de uma capital não menos singular.
Com os melhores cumprimentos
Paulo Ferrero, Miguel de Sepúlveda Velloso, Bernardo Ferreira de Carvalho, Nuno Caiado, Rui Pedro Barbosa, Rui Martins, Jorge Pinto, Gustavo da Cunha, Raquel Henriques da Silva, Fernando Jorge, Fátima Castanheira
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Resposta da Sra. Directora do Museu da Água (10.09.2024)
Exmos. Senhores
Recebi a vossa comunicação, a qual mereceu a minha maior atenção.
Nesse sentido, e face ao exposto, cumpre-me informar o seguinte:
O Reservatório da Mãe d’Água das Amoreiras, integrado no sistema hidráulico Aqueduto das Águas Livres, classificado como Monumento Nacional, é um dos cinco espaços musealizados que integra, desde há vários anos, o Museu da Água da EPAL. Nesse sentido, encontra-se aberto ao público e cumpre uma programação de âmbito cultural, patrimonial e ambiental.
Desde o final de 2019 a EPAL, através do Museu da Água, desenvolveu com o Atelier criativo OCUBO uma programação especifica referente à produção/realização de espetáculos imersivos, a funcionar no Museu da Água – Reservatório da Mãe d’Água das Amoreiras.
Esta parceria, realizada através de um acordo de cedência temporária de utilização do espaço, permitiu assumir uma nova dinâmica que proporciona ao público a experimentação de um espaço patrimonial através de diferentes composições artísticas e culturais.
Os espetáculos imersivos temáticos, relacionados com a obra e a vida de artistas, com reconhecimento internacional, constituiu, desde o primeiro dia, um enorme sucesso, permitindo ao Museu da Água – Mãe d’Água das Amoreiras, por um lado, receber um elevadíssimo número de visitantes, maioritariamente pessoas que nunca tinham entrado naquele espaço, e, por outro lado, alcançar novos públicos, com especial destaque para os mais jovens que, conforme é do conhecimento geral, são aqueles/as que menos visitam museus e monumentos.
A permanência dos espetáculos de vídeo mapping imersivo permitiram a manutenção dos horários de visita ao Monumento Nacional, garantindo a abertura do espaço ao público, tanto para visita livre, como para visita guiada, proporcionando a todos/as os/as visitantes a possibilidade de fruir a infraestrutura hidráulica, enquanto edifício histórico.
A partir de outubro de 2022, o espetáculo imersivo passou a contar com uma componente expositiva que, não só enriquece a programação, como permite ao público adquirir conhecimento adicional sobre o tema.
Para esse efeito, foram instaladas as tendas de exterior que, apesar de uma presença algo intrusiva no espaço, se revestem de vários atributos que permitem dar continuidade ao projeto artístico: são funcionais e amovíveis, não permanentes, não comprometem a conservação e a estabilidade do património edificado, são acessíveis e permitem acomodar a exposição que enriquece o espetáculo imersivo e ainda possibilita ao público uma experiência mais completa, dotada de mais informação.
A instalação das tendas é temporária existindo, desde o inicio do projeto, uma data prevista para a desmontagem das mesmas. Essa data, naturalmente, coincidirá com o final da programação que lhes está afeta.
No que respeita à programação museológica e cultural do Museu da Água, dirigida especificamente a cada um dos espaços patrimoniais, refere-se que a mesma é da inteira responsabilidade da Direção do Museu da Água e Património Histórico da EPAL, que gere o espaço em questão, com total autonomia.
A referida programação é revista anualmente e não há atividades “sem fim à vista…”. As atividades propostas são analisadas através da realização de estudos de viabilidade que refletem os fatores de sucesso e insucesso, o impacto imediato, a curto, a médio e a longo prazo, e a hipótese, ou não, de continuidade.
Para esse efeito são determinados, e avaliados, critérios, nomeadamente no que respeita a: participação, frequência, inclusão e acessibilidade; impacto cultural e social; qualidade artística, inovação e apreciação critica; satisfação do público e retorno; sustentabilidade financeira e viabilidade; contribuição para o património cultural no que respeita à preservação, valorização ou divulgação do património; legados; engajamento digital; ações educativas; inovação e experimentação; resiliência e capacidade de adaptação.
A combinação destes critérios oferece uma visão abrangente do sucesso das iniciativas culturais, permitindo que se compreenda não apenas o seu impacto imediato, mas também a sua contribuição para a sociedade. A continuidade da atividade é sempre analisada face à capacidade de evolução e da relevância em contextos futuros.
O Museu da Água considera que a programação patente na Mãe d’Água das Amoreiras, bem como em todos os espaços museológicos que dirige, cumpre os pressupostos necessários à atividade cultural e repudia liminarmente qualquer comentário que refira a não dignificação do Monumento Nacional.
Um espetáculo imersivo é inequivocamente uma forma de expressão artística que valoriza uma série de aspetos, nomeadamente: o envolvimento sensorial e emocional; a existência de uma interação ativa; a exploração de temas mais complexos através da imagem e dos estímulos, que oferecem uma forma diferente de conhecer e explorar temas artísticos; a inovação artística, através da combinação de diferentes formas de arte, que desafia as convenções tradicionais; a acessibilidade e a inclusão que facilitam o acesso a todos e a todas; o desenvolvimento comunitário que promove a colaboração e a coesão social; a valorização do património cultural, tornando-o mais atrativo, em particular para as camadas mais jovens; o impacto cultural e social que contribui para a reflexão cultural e social; a educação e a aprendizagem; a promoção do turismo cultural e a contribuição para a economia local.
Relativamente ao espaço exterior, informo que as tendas colocadas no jardim do recinto da Mãe d’Água foram dispostas de forma a preservar as espécies botânicas existentes naquele espaço. As referidas espécies são periodicamente analisadas no sentido de as manter em bom estado de conservação.
O equipamento técnico, nomeadamente material audiovisual, presente no interior do reservatório, reflete a instalação necessária à produção/apresentação do espetáculo imersivo, tendo sido acomodado de forma a não provocar qualquer impacto ou dano na estrutura.
Nos últimos dez anos a EPAL tem vindo a desenvolver inúmeros projetos de conservação e restauro nas infraestruturas patrimoniais que estão sob a sua gestão, nomeadamente no sistema Aqueduto das Águas Livres, que inclui o Reservatório da Mãe d’Água das Amoreiras.
Existe atualmente uma profunda consciência das problemáticas associadas à conservação do espaço. A mesma está assente num plano de inspeções periódicas que permite compreender a existência e/ou a evolução das patologias e o risco associado a cada uma delas.
As ações de conservação e restauro neste local estão integradas no plano de salvaguarda do Aqueduto das Águas Livres, sistema com uma extensão, aérea e subterrânea, superior a 58 quilómetros, com mais de 400 estruturas associadas. As intervenções realizadas são calendarizadas e vão sendo desenvolvidas no sentido de priorizar as situações mais urgentes.
As patologias detetadas no Reservatório da Mãe d’Água das Amoreiras em nada se relacionam com a programação patente. Estão associadas a fatores como variação térmica, infestação biológica, problemas estruturais, poluição, erosão e intempéries, humidade extrema, exposição dos elementos a condições climáticas adversas, entre outros.
A EPAL, através da Direção do Museu da Água e Património Histórico, continuará o trabalho que tem realizado ao longo de muitos anos no sentido de preservar o sistema Aqueduto das Águas Livres, e todo o património histórico da água que lhe está associado, cumprindo estritamente a legislação afeta aos espaços classificados. Continuará, igualmente, a gerir estes espaços, atualmente museológicos, com o maior rigor, seriedade, diversidade e de forma absolutamente inclusiva, no sentido de permitir ao maior número de visitantes a fruição absoluta do património da água, o conhecimento da história da água em Lisboa e o papel da água na educação para a sustentabilidade.
Com os meus melhores cumprimentos,
Mariana Castro Henriques
Diretora
Direção do Museu da Água e do Património Histórico
EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.
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