Protecção do Património Azulejar vs. Lei 79/2017 – Apêlo a Ministra da Cultura e Presidente do PC, IP (07.06.2024)

Exma. Senhora Ministra da Cultura

Dra. Dalila Rodrigues

Exmo. Senhor Presidente do Património Cultural, IP

Dr. João Soalheiro

CC. PCML  e media

No rescaldo das várias iniciativas em prol do Azulejo que o Fórum Cidadania Lx e o MAPA desenvolveram ao longo do mês de Maio, o “mês do azulejo”, cremos ser de crucial importância apelarmos a V. Exas. para que se tomem novas medidas com vista à efectiva salvaguarda do Azulejo, que todos consideramos como património identitário nacional.

Desde logo a nível governativo, no sentido de a Assembleia da República aprovar uma série de alterações à Lei nº 79/2017, sem as quais a lei continuará a ser o que tem sido desde a sua publicação: uma lei curta, que esquece o imenso património azulejar de interiores, e uma lei inócua, uma vez que a sua aplicação prática esbarra na falta de meios e vontade das autarquias em a fazerem cumprir, continuam por criar os chamados “bancos de azulejos”, não há divulgação das técnicas de conservação e remoção dos azulejos, existe um total desconhecimento da lei por parte de promotores, projectistas e técnicos camarários, continua a ser corrente a venda ilegal de azulejos, não há fiscalização, nem sanções aos prevaricadores. 

Em consequência disso, o património azulejar continua a ser diariamente desmantelado e saqueado – o que, no caso das fachadas azulejadas, pode configurar violação do prescrito Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro e respectivas alterações, designadamente as constantes da Lei nº 79/2017, de 18 de Agosto -, situação a que nem mesmo os imóveis classificados de Interesse Público conseguem estar imunes.

Assim, vimos pelo presente apelar a V. Exas. para aquilo que cremos ser fundamental e urgente, para que possamos salvar os azulejos que ainda existem, e que, a nosso ver, passa por:

1.É preciso que o Ministério da Cultura, por via do Património Cultural, IP, proceda a uma fiscalização do estado de conservação de todos os azulejos, de fachada e de interior, que se encontram classificados de Interesse Público, agindo em conformidade junto dos respectivos proprietários, públicos e privados, nos casos de incúria e de má conservação que ponham em risco, em última instância, essa mesma classificação.

A nosso ver, trata-se de dar cumprimento às competências que decorrem da Lei do Património, mas que, por razões que a razão desconhece, não têm passado de letra morta.

No que toca ao concelho de Lisboa, que nos diz directamente respeito, numeramos apenas três casos que consideramos urgentes: 

* Edifício da Avenida Almirante Reis, nº 74  

(http://www.monumentos.gov.pt/Site/APP_PagesUser/SIPA.aspx?id=3036)

Edifício de 1908, propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e profusamente decorado com azulejaria Arte Nova nas fachadas e interiores, e que é Imóvel de Interesse Público desde 1978. O edifício encontra-se no estado lastimável que as fotos 1 a 5 documentam (autoria: Cerâmica Modernista) sendo que, até ao presente, o projecto de conservação e recuperação que a SCML anunciou publicamente em 2021 (Processo CML nº 161/EDI/2020) nunca chegou a ser implementado.

* Edifício do antigo quartel da Graça

Neste Monumento Nacional os painéis azulejares no exterior do corpo romântico que faz frente para o Largo da Graça têm vindo a ser saqueados, como a foto 6 em anexo documenta. De notar que o Grupo Sana anunciou em 2019 a recuperação deste edifício ao abrigo do programa de conversão de todo o antigo quartel/convento, sob a égide do Revive (https://revive.turismodeportugal.pt/pt-pt/quartel-graca), mas, mais uma vez, tratou-se de um anúncio sem qualquer correspondência na realidade.

* Balneário D. Maria II

Edifício histórico que pertence ao antigo Hospital Miguel Bombarda e que está classificado de Interesse Público (o Pavilhão de Segurança também está e o edifício principal do antigo hospital-convento está Em Vias), e cujo revestimento azulejar, que envolve a quase totalidade do mesmo, se encontra num estado precário há mais de 10 anos, conforme é do conhecimento público. O seu proprietário, a Estamo, continua sem proceder a qualquer obra de conservação, fazendo depender essa obra do futuro do PIP em apreciação nos serviços da CML, o que não compreendemos, uma vez que, seja qual for o futuro desse ou doutro PIP o Balneário será sempre um equipamento cultural.

2.É preciso prosseguir com a campanha de classificação de azulejos, de fachada e de interiores, porque acreditamos que essa é uma maneira de o Estado contribuir para o seu reconhecimento junto de privados e de organismos públicos que, não raras vezes, em vez de darem o exemplo, fazem-no da pior forma, ao deixarem ao abandono esse património.

Permitam-nos que sugiramos alguns critérios para a selecção de azulejos a classificar: época, estilo, fábrica e autor, para lá da raridade, a qual, infelizmente, é cada vez mais uma realidade na quase totalidade da azulejaria da cidade pelo que tal já nem se coloca.

Uma prévia inventariação fidedigna é indissociável da boa prossecução deste objectivo.

Daí perguntarmos a V. Exas., qual o ponto de situação do nosso pedido de classificação dos 16 painéis publicitários existentes em Lisboa, que submetemos à DGPC em Outubro de 2023 (https://cidadanialx.org/portfolio/pedido-de-classificacao-de-16-paineis-azulejares-publicitarios/)?

3.É preciso que o Ministério da Cultura dê um impulso sério e determinado à classificação do azulejo português como Património Cultural Material da Humanidade.

Essa candidatura foi anunciada então SEC em 2015 como sendo um “imperativo nacional” (https://www.publico.pt/2015/05/14/culturaipsilon/noticia/azulejo-portugues-vai-candidatarse-a-patrimonio-da-humanidade-1695664), mas até hoje não passou de uma intenção, não havendo qualquer dossier de candidatura, muito menos um plano de gestão, que seja do conhecimento público. 

A ser conseguido esse reconhecimento pela UNESCO, tal permitirá um reforço significativo da Lei nº79/2017 e das medidas de salvaguarda do Património Azulejar Português que passarão a ter de ser devidamente aplicadas, cumpridas e fiscalizadas, actuando como um poderoso desincentivo à incúria, à mutilação e ao saque por que continua a passar o Azulejo, reforçando até as próprias entidades licenciadoras de projectos de alterações ou de reabilitação dos edifícios que possuem azulejos. 

4.Finalmente, e voltando à nossa introdução, é de todo o interesse que seja o Ministério da Cultura a protagonizar junto da Assembleia da República, a necessária e urgente alteração à própria Lei 79/2017, uma vez que esta lei:

– é uma lei curta, que ignora a azulejaria de interiores e ignora o mercado de antiguidades e velharias;

– é uma lei hipócrita, uma vez que a manutenção dos azulejos originais nas fachadas depende da atribuição de um valor patrimonial aos mesmos, por parte das autarquias e entidades licenciadoras de obra – no entanto, as mesmas autarquias não possuem uma inventariação e mapeamento de edifícios azulejados, nem meios humanos, nem técnicos, nem financeiros para tal, estando a Lei a promover a destruição e substituição de azulejos originais por réplicas ou por azulejos de tons lisos ou, pura e simplesmente, por um reboco simples e pintado;

– é uma lei inconsequente, na medida em que não há nenhum tipo de formação, divulgação e fiscalização da sua existência e aplicação prática junto de quem tem competências para tal: por um lado, as próprias entidades licenciadoras de projectos de reabilitação permitem intervenções que provocam a destruição de azulejos de fachada, executadas muitas vezes pelas próprias empresas ditas de “reabilitação”, as quais não têm formação nem competências técnicas para intervir em fachadas azulejadas e na conservação do espólio existente; por outro lado, promove a venda ilícita de azulejos em feiras e espaços públicos – provenientes de furtos que ocorrem nas fachadas a um ritmo quase diário e de sobrantes provenientes da destruição mencionada anteriormente; em simultâneo aumenta a venda, considerada lícita (mas sem certificados de proveniência) não estando previstas sanções nem a apreensão imediata dos azulejos que estejam a ser vendidos nestas condições.

Fazemos votos para que o Ministério da Cultura e o Património Cultural, IP, tomem como sua a causa do Azulejo e colocamo-nos ao dispor para ajudar nesse desígnio, na medida das nossas possibilidades e da vossa conveniência.

 Com os melhores cumprimentos

Paulo Ferrero, Bernardo Ferreira de Carvalho, Nuno Caiado, Miguel de Sepúlveda Velloso, Irene Santos, Rui Martins, Gustavo da Cunha, Fátima Castanheira, António Pires Veloso, Jorge Pinto, Filipe de Portugal, Carlos Boavida, Helena Espvall, José Maria Amador, António Miranda, Beatriz Empis, Ana Celeste Glória, Miguel Atanásio Carvalho, Ruth da Gama (pelo Fórum Cidadania Lx – Associação)

e Isabel Colher e Marta Mendes (pelo MAPA – Movimento de Acção para a Protecção do Azulejo)

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