Exma. Sra. Vereadora do Urbanismo
Engª Joana Almeida
C.C. PCML, AML e media
No rescaldo das várias iniciativas em prol do Azulejo que o Fórum Cidadania Lx e o MAPA desenvolveram ao longo do mês de Maio, o “mês do azulejo”, não podemos deixar de alertar V. Exa. para a necessidade urgente de os serviços de Urbanismo da CML alterarem radicalmente a sua postura no que toca à aplicação da Lei nº 79/2017, e respectivas alterações ao RJUE em vigor, sob pena de as mesmas não passarem de boas intenções, sem qualquer efeito prático naquilo que as motivou: a conservação e a salvaguarda do azulejo de fachada.
De facto, apelamos a V. Exa. para dar indicações aos serviços que tutela para que sejam mais activos e eficazes aquando da apreciação e do licenciamento de projectos urbanísticos relativos a edifícios com fachadas azulejares, uma vez que até agora o empenho e a pró-actividade da CML têm sido quase nenhuns desde que a lei está em vigor, fazendo depender a sua acção dos alertas esporádicos que lhes vão chegando.
Porque se é verdade que todos consideramos o Azulejo como património identitário nacional e que esta Lei é curta – ela ignora o azulejo de interior -, a verdade é que apesar disso continuamos a assistir desde 2017 ao desmantelar de fachadas azulejadas, ao seu saque, à sua substituição de azulejos de origem (esses sim de valor) por réplicas muitas delas de péssima qualidade (sem valor), à inexistência de um banco de azulejos capaz, à venda legal e ilegal e ao desbarato nos mais variados locais, e à tradicional ausência de fiscalização e punição dos prevaricadores.
Ou seja, a lei não é cumprida e, qualquer dia, o universo de fachadas de azulejos (e os de interior, por maioria de razão) será uma raridade, tal qual muito outro património que a cidade tem perdido.
Uma realidade à qual, infelizmente, nem mesmo os imóveis classificados conseguem estar imunes.
Por outro lado, constata-se que na grande maioria dos casos em que o azulejo é maltratado, é-o por desconhecimento dos promotores, dos arquitectos e dos empreiteiros de que há uma Lei de defesa dos azulejos de fachada.
Pelo que, em nosso entender, as autarquias, e a CML em particular, enquanto entidades que aplicam e fazem cumprir o RJUE, têm a maior responsabilidade na boa aplicação desta lei e na salvaguarda do azulejo de fachada.
Para se contrariar essa triste realidade, cremos ser urgente e necessário que a CML:
1.Actualize as bases de dados relativas ao edificado da cidade, através de um levantamento/inventariação com critério e fidedigno, que sirva de carta do património azulejar de fachada da cidade de Lisboa, rigorosa, rua a rua, quarteirão a quarteirão, bairro a bairro, independentemente da época de fabrico dos azulejos, autoria, estilo ou valor patrimonial dos mesmos, susceptíveis ou não de uma classificação de conjunto.
Essa inventariação poderá perfeitamente ser feita pelos serviços da CML recorrendo à ajuda externa, por via do estabelecimento de protocolos com escolas e universidades.
2.Crie um mecanismo automático interno, nos serviços de Urbanismo, uma plataforma fiável que permita aos técnicos que recepcionam e aos que apreciam os projectos de alterações aos edifícios, identificarem imediatamente os casos em que existe azulejaria de fachada e desse modo verificarem com os promotores e autores dos projectos se a Lei nº 79/2017 está a ser cumprida.
Um tal automatismo permitirá a quem promove, projecta e executa as obras observar uma série de procedimentos em prol da salvaguarda do azulejo, designadamente a nível das técnicas e dos materiais (argamassas, etc.) para a conservação e restauro, mas também nos casos em que seja necessária a remoção dos azulejos para uma posterior recolocação.
Assim, evitar-se-á o recurso à execução de réplicas, em que, regra geral, todos ficam mais pobres, a começar pela própria cidade, ao substituir-se algo que é genuíno e que tem valor por isso mesmo, por algo sem valor absolutamente nenhum, muitas vezes mal feito e com recurso a materiais que não os tradicionais.
Bem como possibilitará uma maior rapidez na intimação de obras de conservação em fachadas cobertas a azulejo de inegável valor patrimonial ou estético, como já devida ter sido feito pela CML no caso escandaloso do edifício da Rua da Graça, nº 90 (foto 1, autoria: MAPA).
3.Prossiga com a classificação de Interesse Municipal de fachadas e frisos de azulejos, e de azulejos nos interiores dos edifícios, porque acreditamos ser essa também uma maneira de a CML contribuir para que os privados e os organismos públicos proprietários de edifícios, tenham outro entendimento do azulejo, valorizando-o e protegendo-o, em vez de o menosprezarem e promoverem a sua substituição por réplicas.
Assim, os serviços do Urbanismo e da Cultura da CML deviam avançar, desde já e aproveitando a revisão em curso do PDM, com a inclusão de mais fachadas azulejadas em sede de Carta Municipal, mas também com a classificação de Interesse Municipal numa série delas, especialmente nos casos em que os azulejos apresentem determinadas características únicas ou singularidade (ex. o painel figurativo do século XVIII do edifício do Largo de São Mamede, nº 7, atribuído ao pintor Manuel dos Santos, do Ciclo dos Mestres – em foto 2, prédio da Rua da Saudade, nº 23, onde moraram Alexandre O’Neil e Ary dos Santos – em foto 3, e edifício da Rua da Palma, nº 207, com azulejos Arte Nova fabulosos no hall, em foto 4 – autoria R da Gama) ou crescente raridade, a saber:
Todos os azulejos pombalinos, neoclássicos, Arte Nova, art déco e modernistas da cidade; todos os azulejos produzidos nas fábricas das Devesas, Sacavém, Lusitânia, Massarelos (são exemplos maiores os azulejos na Rua do Poço dos Negros e Rua do Quelhas, por exemplo); todos os azulejos em padrão Mint. Todos os azulejos publicitários (em letreiro e figurativos)
4.E é preciso que a CML dê o exemplo e aja em conformidade em matéria do cumprimento da lei e das suas competências, nos edifícios em que é proprietária.
Neste particular, chamamos a especial atenção de V. Exa. para alguns casos paradigmáticos, em que o desleixo, a falta de brio e a indiferença da CML são escandalosos, dado o carácter e a raridade dos azulejos objecto dessa inacção, sendo exemplos maiores o prédio do Poço do Borratém, nº 25 (foto 5 – autoria Cerâmica Modernista) e Paço da Rainha, nº 92 (foto 6).
É uma vergonha que continuem a persistir exemplos destes em património municipal.
Colocamo-nos à disposição de V. Exa. para contribuir, na medida do possível, para as tarefas acima descritas, de modo a que se consiga assegurar em tempo útil o valioso património azulejar que a cidade ainda possui.
Com os melhores cumprimentos
Paulo Ferrero, Bernardo Ferreira de Carvalho, Nuno Caiado, Miguel de Sepúlveda Velloso, Irene Santos, Rui Martins, Gustavo da Cunha, Fátima Castanheira, António Pires Veloso, Jorge Pinto, Filipe de Portugal, Carlos Boavida, Helena Espvall, José Maria Amador, António Miranda, Beatriz Empis, Ana Celeste Glória, Miguel Atanásio Carvalho, Ruth da Gama (pelo Fórum Cidadania Lx – Associação)
Isabel Colher e Marta Mendes (pelo MAPA – Movimento de Acção para a Protecção do Azulejo)
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